Não, não somos super-heróis
O meu super-herói preferido em criança era o Super-Homem. E era inevitável não brincar ao super-homem, fingindo ter todos aqueles superpoderes e imaginando cenários e situações que só existiam no meu mundo. Mais tarde, em adolescente, na série que passava ao final da tarde na TVI (no tempo em que a TVI tinha coisas fixes, ahahah), suspirava sempre que a Lois Lane gritava “superman”. Já não brincava, mas sempre achei que voar dava jeito para chegar a sítios onde queria ir, a força para dar uns tabefes aos “bullies” da escola ou o fôlego para não cair para o lado nas aulas de educação física.
Vistas as coisas à distância dos meus trinta e três anos, aqueles poderes continuam a dar-me muito jeito. A força que dava jeito para levantar os móveis para aspirar, a velocidade para estar em vários sítios em poucos minutos, a visão para não usar óculos, a audição porque com a idade apercebo-me que estou a ficar surda, a memória para conseguir lembrar-me de tudo, a resistência para tentar não falecer nos treinos e, claro, a regeneração para ter sempre esta pele maravilhosa!
Queremos sempre mais e mais, fazer sempre muito. Exigem sempre de nós mais do que na maioria das vezes conseguimos dar. E sentimo-nos frustrados! Deixamos que o trabalho ultrapasse e muito o horário normal, chegamos a casa e temos as tarefas domésticas, arranjamos um negócio próprio ou um segundo emprego que nos preencham e no final não conseguimos ter tempo para nós, para os nossos, para fazer aquilo que gostamos (mesmo que isso seja não fazer nada, sofanar, por exemplo). Pior! Sentimo-nos culpados por não ter tempo. Verdade ou não?
O tempo não estica. Cada dia tem 24 horas, 12h das quais estamos acordados. Precisamos de dormir, de descansar. Não consigo trabalhar, treinar e fazer os meus hobbies todos os dias, todas as semanas. Não consigo muitas vezes combinar um café porque tenho de terminar isto ou aquilo. Não consigo trazer as refeições organizadas, fazer as marmitas sempre ou ter a roupa em dia ou a casa arrumada. Não estico, não dá. Não, não somos super-heróis. E mesmo os super-heróis têm fraquezas. A minha kriptonite é o relógio e as horas que passam a correr.
Quantas vezes chegamos à segunda-feira de manhã e já nos sentimos cansados? Quantas vezes até conseguimos o milagre da multiplicação das horas e estamos demasiado cansados para as aproveitar? Somos uns inúteis porque não sabemos equilibrar as coisas.
Eu quero fazer tudo. Quero ser eu a organizar a casa todas as semanas, quero fazer as marmitas para os jantares, quero treinar 5 vezes por semana, quero fazer os meus produtos, escolher embalagens, inventar coisas novas para fazer, passear a cadela, quero ter o blog sempre com muitos textos, quero ir às compras, quero ir ao café, quero namorar, quero viajar… Mas não somos capazes de fazer tudo. Muitas vezes temos de deixar algo para trás e não ver isso como uma derrota. Mas é isso que acontece na maioria das vezes. Não é fácil ignorarmos isso por mais que pensemos para nos próprios que a opinião dos outros não interessa. Temos sempre que sentir a aprovação dos outros porque, afinal de contas, vivemos em sociedade e só queremos que nos aceitem como somos. Tento, muitas vezes, manter uma certa distância que me dá alguma capacidade de análise das situações. Consigo mais facilmente dizer que não. O que é uma tarefa muito difícil.
O resto interessa, iria ser mentirosa se dissesse o contrário, mas pesa menos na minha decisão. Eu só tento estar bem comigo e com as minhas convicções.
Não, não somos super-heróis e aceitar essa condição é essencial para sermos realmente felizes.